Há 12 meses começava a jornada final da minha mãe. Da trombose até a sua morte, passaram-se apenas dois meses. Foi por conta da trombose e da cirurgia que Deus disse “chega” e veio buscá-la.
Meu processo de luto durou mais de nove meses, e me fechei para olhar para dentro, pois nada mais fazia sentido. Durante a doença, escolhi amar minha mãe em vez de me prender às nossas diferenças do passado — um assunto que já resolvi comigo e já é bem difundido. Quando ela se foi, foi como se a balança da minha vida tivesse ficado descompensada. Ao longo deste ano, aceitei as mentiras que me contaram e as pressões que me impuseram. Aceitei também as mentiras que escolhi viver e os amores que perdi por coisas além do meu controle.
Para quem olhava de fora, talvez parecesse que eu estava seguindo em frente, tocando minha vida. Mas, por dentro, eu me via encolhido, escorado em mim mesmo, em um limbo escuro que sussurrava que nada valia a pena, nem a minha própria vida. Por fora, eu funcionava no piloto automático: zelava pela minha família, apoiava minha irmã, que estava sozinha e teve que mudar de vida. Mantinha a obra na casa da serra e inventava mais umas 900 coisas para gastar o dinheiro que estava ganhando, sem que isso me tirasse do limbo.
Por fora, honrei compromissos protocolares — trabalhei, comemorei aniversários, segui a rotina familiar como um cordeiro. Por dentro, primeiro decidi se eu queria continuar, depois tentei entender como. Esse ano não aconteceu: posso resumi-lo em “minha mãe morreu, eu pisquei e estou aqui”. Mas, internamente, foram décadas.
Bati de frente com minhas crenças até elas se desfazerem em fragmentos digeríveis. Me despi das máscaras, muito além da fala bonita de que “não uso máscaras” — o que, além de brega, é hipócrita. Ao longo desses meses, fui compreendendo o tipo de pessoa que sou e observando os tipos de pessoas que existem.
Resumi todas as pessoas do mundo em dois perfis: as que vivem pelos outros e as que vivem por si.
As que vivem pelos outros encontram satisfação em servir, agradar e cuidar do próximo. Vivem pelo sorriso alheio, sorriem pelo sorriso alheio. Gostam de cuidar e ver que estão agradando; isso as motiva a seguir em frente. São seletivas, mas esse impulso é tão latente que se torna natural.
As que vivem por si colocam-se em primeiro lugar. Fazem por si mesmas, tomam decisões baseadas no impacto que terão em suas vidas. Enxergam em si mesmas a motivação para continuar.
Não qualifico esses perfis e não digo que não possa haver equilíbrio entre eles. Para simplificar minha própria bagunça interna, os vejo assim.
Comecei a me recuperar quando fui capaz de me enquadrar, e não apenas me reconhecer, em um perfil. Aprendi a ser verdadeiramente altruísta de uma forma que me faz bem. Enxerguei que o limite não está comigo, mas nos outros. Deixei de carregar a sensação de impotência ao tentar ajudar e não ser correspondido, pois percebi que quem define o limite da minha ajuda é a própria pessoa, não eu.
Isso me trouxe paz de espírito, mas não resolve todos os meus problemas — é apenas um bom norte. Por isso, pretendo falar mais sobre isso aqui, quando puder.
Resumi todas as pessoas do mundo em 2 perfis: pessoas que são pelos outros e pessoas que são por si.
Ser pelos outros é um perfil que sente satisfação em servir, em agradar, em zelar pelo próximo. Vivem pelo sorriso alheio. Sorriem pelo sorriso alheio. Gostam de cuidar, de verem que estão agradando e isso os motiva a continuar. Podem ser seletivos, mas isso é tão latente que fica difícil ser diferente disso.
Ser por si, por outro lado, é se colocar em primeiro lugar antes dos outros. É, acima de tudo, fazer por você, e tomar decisões baseado no impacto que elas vão causar na sua vida. São pessoas que encontram motivação em si mesmas para continuar.
Eu não estou qualificando esses perfis, e não estou dizendo que não pode haver equilíbrio entre eles. No fundo, vejo apenas esses dois perfis para simplificar a bagunça da minha cabeça.
Comecei a me recuperar quando fui capaz de, me enquadrar, e não apenas me reconhecer em um perfil. Aprendi a ser altruista de verdade da forma que me faz bem de verdade. Enxerguei que as linhas do limite não estão exatamente comigos, mas nos outros.
Não carrego mais comigo aquela sensação de tentar ajudar e me sentir impotente por a pessoa não corresponder, pq quem desenha o limite da minha capacidade de ajudar é a pessoa, não eu.
Isso trouxe mais paz de espírito, embora não resolva todos os meus problemas — é apenas um norte. Desde que fui capaz de ver uma luz no fim do limbo, deixei de aceitar o que me parece errado. Me afastei do que me drenava sem que isso soasse forçado. Não me calei mais diante do desconforto; preferi levantar e sair — e assim pretendo seguir até o fim dos meus dias.
Decidi pegar meu irmão pelo braço, comprar uma passagem e vir para Nova York, cidade que conheço como a palma da mão. Esta viagem não é sobre turismo, mas sobre reencontro e reconexão. Pela primeira vez, consegui falar com ele sobre a morte da nossa mãe, sobre o que penso e como me sinto depois de tanta coisa que mudou aqui dentro. Fazia tempo que não nos reconhecíamos, e esta tem sido uma grande oportunidade para isso.
Ainda não sei o que vou decidir para mim, mas tenho certeza de que nada ficará como está. Estou preparando meu mundo — e as pessoas nele — para o que vier.