Eu me lembro, eu já estive nesse lugar. Cercado de gente louca onde eu me sinto são. Cercado de ladrões, mercenários e prostitutas regados a álcool, drogas e pornografia. Rodeado de tudo que de mais deprimente há na humanidade. Gente que como eu já perdeu qualquer luz no olhar e vive pela noite vagando sem alma atrás de algum pulso através da violência ou do delírio.
Eu me lembro que já a vi por aqui: a garota que brilhava no breu. Que flutuava entre vagabundos e drogados com seu perfume doce como uma cerejeira. Era um anjo perdido que desceu dos céus no lugar errado e hora errados.
Eu me lembro desse lugar, já estive aqui. O som da porta quebrando com a força do meu chute. O relógio batendo meia noite e eu encontrando uma velha conhecida: a cólera. O uivo do vento nas janelas e a luz da rua refletiam no escuro os olhos marejados e as mãos trêmulas. O corpo nu e a roupa rasgada sussurrando como que em uma prece que pedindo para que isso acabe logo. O meu anjo foi destruído pela maldade do homem e seus desejos imundos.
Vou somando corpos como conto passos enquanto deixo a violência tomar conta de mim. A cada novo golpe sinto o cheiro podre do espírito impregnando minha pele enquanto faço o sangue jorrar.
A dor da garrafa quebrada entrando no meu ombro é familiar e pequena perto da dor de ver sumir a luz que preencheu meu coração escuro. Já não estava mais ali a garota que domou meu coração, apenas sofrimento e inércia de um corpo inanimado.
Cambaleio moribundo enquanto o sangue escorre pelo meu braço e pinga no chão. O gosto de ferro na boca tem o sabor do beijo da morte que me espreita. As sirenes dão o tom do fim: Meu amor se foi e agora só sobrou o vazio e o breu.
Viver ou morrer já não faz diferença . Matar ou morrer também não.