Desisti de tomar os antidepressivos há alguns meses — pela primeira vez desde que minha mãe morreu, depois que descobri meu câncer no estômago e um pequeno tumor na coxa direita.
Não foi uma decisão fácil, considerando a gravidade da situação, mas era inadmissível não sentir — e eu estava exausto disso. Não sentir é muito pior do que sentir demais, ainda que com seus altos e baixos. A morte vive na apatia e no silêncio, e ganha espaço em tudo aquilo que deixamos de lado sob a desculpa de manter a sanidade.
Enxergar o mundo sem os efeitos de um remédio que, entre idas e vindas, me acompanha há quase dez anos é tão desafiador quanto enfrentar uma doença em silêncio — como tenho feito. Escolhi o silêncio justamente porque estou cansado da espetacularização do eu, dessa loucura que assola as pessoas em busca de aprovação ou confete.
Decidi então parar, acender meu charuto sozinho no quintal e observar a calmaria impiedosa da vida que segue com ou sem a gente. As notas do uísque começaram a fazer sentido no silêncio que o solo emite entre as gotas de chuva que caem.
Já faz alguns meses desde que percebi que erros repetidos são o marasmo da rotação da Terra — e que as estações estarem mais quentes este ano não afeta em nada o quão gelada é a certeza da morte.
No fim, essa é a dinâmica do mundo: culpamos os outros por aquilo que fazemos e nos achamos bons demais a ponto de omitir dos demais aquilo que lhes é de direito — mesmo que esse direito seja apenas um “não”. Manipulamos com meia informação, tentando criar mistério e, ao mesmo tempo, manter o privilégio de ver cartas que só nós temos na mão. Quando tudo dá errado, culpamos as vítimas por fazerem o que, na verdade, nós fizemos — e seguimos fingindo que a culpa é dos outros, com suas mentiras.
Que talvez sejam as nossas.
As que contamos ou as que deixamos de contar porque somos, no fim das contas, covardes.
A borboleta azul voa e revoa por entre as muitas flores. Descansa e beija algumas. Peca ao querer escolher a melhor entre elas enquanto sobrevoa várias ao mesmo tempo — e costuma se enganar com as de perfume forte, que morrem fácil.
A vida é curta demais para ignorar a sua própria finitude e ficar brincando de revoar sobre aquilo que não nos prende.
Talvez por isso borboletas vivam pouco.
E os nossos amores também.